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Foto: Fernanda Carvalho / Fotos Publicas |
Observava muito as famílias da vizinhança na década de 1990, mesmo sendo criança lembro-me do quanto elas se assemelhavam à minha. Naquela época, as pessoas se juntavam nas casas para assistir programações específicas na televisão. Recordo que a minha família se reunia na casa da minha vozinha e assistíamos, todos juntos, a alguma programação.
Meus tios comentavam sobre as partidas de futebol, as cenas dos filmes, minhas tias falavam dos personagens das novelas, e eu, ah eu amava os desenhos infantis matutinos, me divertia como podia. No fim de semana era festa de novo, na casa da tia Rosa, vários primos da mesma idade era sinônimo de peripécias e diversão garantida. Hoje até encontro com eles, porém pelas redes sociais modernas. Enfim, aquela tela da década de 1990 bem que permitia mais entrosamento entre as pessoas.
Com a chegada de outra tela, dessa vez a do computador, e com a criação de redes sociais virtuais, o negócio mudou. A nova aldeia polemizou, globalizou demais. Criamos laços com mais 800 amigos no Orkut, batíamos muito papo no Messenger, ah, e se a pessoa demorasse muito a responder no chat partíamos, ávidos por atenção, para o cúmulo da falta de noção clicávamos no ícone “chamar a atenção” e a tela do sujeito tremia sem parar. Passávamos horas a fio com uma conexão meia-boca da internet discada, ocupávamos o telefone inúmeras vezes para nos conectarmos a esses sites de relacionamento. Nessa época a convivência presencial com os amigos ainda resistia, mas bem menos frequente, afinal para quê ir à casa do fulaninho se podemos conversar com ele por horas pelo bate-papo?
Lembro bem da época em que não haviam smartphones, tive um celular de uma marca conhecida, cuja tela azul me permitia fazer e receber chamadas, enviar e receber mensagens de texto com o número de caractere bem limitado, caso eu o excedesse a mensagem iria pela metade. No colégio, no intervalo entre uma aula e outra, eu e meus amigos jogávamos conversa fora, fazíamos planos para matar a aula, contávamos piadas, cochichávamos sobre besteiras, mas nos olhávamos, estávamos ali, juntos, presentes, partilhando as emoções. Por mais irrelevante que isso possa parecer, essa convivência não se compara com as efemeridades de agora.
Vivência social, momentos partilhados física e pessoalmente, o olhar no olho, isso cada vez mais se esvai. Atualmente, as telas reúnem milhares de solitários compartilhando de momentos à distância, vivendo em uma ‘aldeia global’ sem nunca terem se visto pessoalmente, ou raramente se encontrarem, porém porque convém, são amigos virtuais.
Posso compartilhar com você, caro leitor, que o smartphone e seus aplicativos sufocaram minha vida social, porém descobri a tempo de sanar o vício. Li uns livrinhos de auto-ajuda, um deles sobre a experiência de um jornalista que conseguiu desintoxicar das redes, ele não teve crise de abstinência e sobreviveu. Achei incrível o termo ‘desintoxicar’ usado por ele, convenhamos, onde já se viu em uma reunião de amigos todos abdicarem da presença um do outro para se falarem por meio de um aplicativo?
Além dos livros, confesso que Bauman também me ajudou. Assistindo a um vídeo em que o sociólogo fala sobre laços humanos, redes sociais e modernidade a minha ficha caiu. Percebi que tenho quase mil amigos na rede do momento (Facebook), mas nunca partilhei coisas tão pessoais com um terço deles, nem pretendo. Essa efemeridade de curtidas vazias e compartilhamentos com centenas de estranhos sempre me incomodou.
E as solicitações de amizade de desconhecidos? Ignoro todas. Diga-se de passagem, ignorar alguém no mundo virtual é um ato de coragem. Experimente ignorar as mensagens entediantes que chegam sem parar nos inúmeros grupos criados no WhatsApp (às vezes, você nem sabe porque está ali), ignore as marcações em fotos que não quer aparecer, ignore também as satisfações sobre porque você leu as mensagens e não respondeu.
Desconecte o 3G e a Wi Fi e certamente sentirá a sensação do quanto existe vida além da rede e em como ela é prazerosa e interessante. Ah, a tela do celular continuará sendo a tela de seu celular, afinal ela não deve ser a extensão do seu corpo, viver as experiências agora, sentir a presença agora, aproveitar o momento agora, antes que a próxima vivência entre pessoas de corpo presente seja a missa de seu sepultamento.
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